quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Darwin 200 anos


Arte criada pelo Rodrigo Souza, do Caneca Orbial

IDÉIAS DE DARWIN AINDA 'ASSUSTAM'

Se Charles Darwin estivesse vivo para comemorar seu aniversário de 200 
anos, hoje, é provável que haveria protestos diante de sua casa. 
Pesquisas mostram que, mesmo com todas as evidências científicas 
acumuladas nos últimos 150 anos, desde a publicação de A Origem das 
Espécies, a aceitação de sua teoria da evolução por seleção natural 
ainda enfrenta dúvidas e angústias entre o grande público - 
principalmente no que diz respeito à evolução dos seres humanos.

"Para muitas pessoas, a ideia da seleção natural é simplesmente 
repugnante, ameaçadora, assustadora", disse ao Estado o filósofo 
americano Daniel Dennett, da Universidade Tufts, em Massachusetts. 
"Sem falar, é claro, que ela derruba qualquer argumento razoável que 
alguém já teve para a existência de Deus. Não surpreende que tanta 
gente esteja sedenta por evidências que questionem a teoria."

Dennett é, ao lado do britânico Richard Dawkins, um dos defensores 
mais ferrenhos do darwinismo e do ateísmo. Em 1995 ele publicou o 
livro A Perigosa Ideia de Darwin: a Evolução e os Significados da 
Vida. Agora, em 2009, diz ele, a teoria darwiniana - de que todos os 
seres vivos, incluindo o homem, evoluíram de um ancestral comum por 
mecanismos puramente biológicos de mutação e seleção - continua tão 
"perigosa" quanto em 1859.

"Além das motivações religiosas, há pessoas que interpretam a ideia de 
que somos `máquinas' biológicas projetadas pela seleção natural para 
propagar genes como uma ameaça ao seu ego e à sua autonomia moral", 
diz Dennett. Segundo ele, porém, o fato de sermos produtos dos genes 
não significa que estejamos subordinados a eles. "Nossa autonomia é 
real, mas não é absoluta - nem tão misteriosa nem miraculosa. Ela 
evoluiu da mesma forma que nossos olhos e nossa memória. Nossa 
liberdade é um produto da evolução. Se as pessoas entendessem isso - 
algo que, admito, está longe de ser óbvio - elas não se sentiriam tão 
ameaçadas pela ideia de uma ciência materialista que explique a 
existência humana. Essa ciência não substituiria a ética, as artes ou 
as humanidades; ela seria sua fundação."

Mesmo na Inglaterra, o país de Darwin, uma pesquisa divulgada na 
semana passada mostra que metade das pessoas não acredita na teoria da 
evolução - ou, pelo menos, tem sérias dúvidas sobre ela. Os resultados 
incluem um gradiente de opiniões, polarizadas por aqueles que 
descartam completamente a evolução até aqueles que descartam 
completamente a existência de Deus.

O professor de sociologia Antônio Pierucci, da Universidade de São 
Paulo, diz que a rejeição a Darwin é compreensível e que a aceitação 
da origem evolutiva do homem deverá aumentar com o tempo. "Imagine 
como foi difícil para as pessoas, nos séculos 16 e 17, aceitarem que a 
Terra girava em torno do Sol", compara. [i]

http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,ideias-de-darwin-ainda-assustam,322366,0.htm

POR QUE O CÉREBRO ANIMAL NÃO ACREDITA EM DARWIN

O ESTADO DE S. PAULO, 12-02-2009

Fernando Reinach

Cento e cinquenta anos após sua publicação, o Homo sapiens ainda tem 
dificuldade em acreditar nas descobertas de Darwin. As ideias de 
Darwin e Galileu sofrem da dificuldade do cérebro humano em aceitar 
conceitos abstratos que se chocam com observações diretas dos 
sentidos. Sabemos que a Terra gira ao redor do Sol e a cada dia 
observamos o Sol cruzar o céu. Se tivéssemos incorporado a descoberta 
de Galileu, observaríamos que na madrugada o horizonte desce, expondo 
nossa casa à luz solar. Ao longo do dia, à medida que o horizonte 
continua a descer, nossa cabeça aponta em direção ao Sol. Quando a 
Terra completa meio giro e estamos de ponta-cabeça, o horizonte se 
eleva e cobre o Sol que permanece imóvel. Apesar de esta ser uma 
descrição mais precisa do que ocorre, nosso cérebro se recusa a "ver" 
o desenrolar do dia desta maneira.

O motivo desta dificuldade é bem compreendido pelos darwinistas. Os 
sistemas visuais surgiram faz centenas de milhões de anos. Eles foram 
selecionados porque melhoram a sobrevivência dos animais, permitindo a 
localização de alimentos e predadores. Ao longo de milhões de anos 
esses sistemas se tornaram sofisticados e rápidos nas tarefas para as 
quais foram selecionados. Eles permitem que nosso cérebro, observando 
o movimento de uma presa (ou uma bola de futebol), seja capaz de 
ajustar nosso movimento de modo a interceptá-la no momento seguinte. 
Quando um jogador chuta a bola em direção à área, seu cérebro calculou 
que o atacante estará lá para recebê-la nos próximos segundos. 

Ao fazer o passe, o jogador se beneficia de um sistema visual que não 
foi selecionado para jogar futebol. O sistema visual considera o corpo 
que habita como ponto de referência. Para essa parte de nosso cérebro, 
somos o centro do universo. Apesar de eficiente e rápido, nosso 
sistema visual é péssimo quando se trata de imaginar movimentos de um 
ponto de vista que não seja o nosso (por isso juízes de futebol têm 
dificuldade de identificar um impedimento e nos atrapalhamos ao 
explicar como a órbita da Lua e da Terra determinam as fases da Lua). 
Essa "deficiência" de nosso cérebro explica parcialmente porque grande 
parte da humanidade crê que o sol gira em torno da Terra.

Com o desenvolvimento do pensamento abstrato, nosso cérebro passou a 
dispor de dois mecanismos para compreender o mundo. Um, primitivo, 
baseado nas informações dos sentidos; outro, capaz de entender o mundo 
de forma analítica. Foi utilizando sua capacidade analítica e de 
abstração que Galileu descobriu que a imagem produzida por nosso 
sistema visual é parcial e distorcida. A Terra não é plana, o Sol não 
gira em torno de nós e não somos o centro do Universo. Apesar de nossa 
mente racional "entender" as descobertas de Galileu, nosso cérebro 
insiste em nos informar que o Sol "sobe" detrás da montanha e 
"caminha" em direção ao céu. Algumas pessoas, tentadas por nosso 
cérebro animal, ainda suspeitam ser o centro do Universo.

Com a teoria da evolução de Darwin ocorre fenômeno semelhante. Desde 
que os cérebros e os sistemas visuais surgiram, eles têm observado 
outros seres vivos. E o que os olhos observam é que os seres vivos se 
comportam como se fossem guiados por uma vontade interna ou um plano 
de ação com objetivos definidos. As plantas crescem em direção ao Sol, 
as raízes buscam água. Aves constroem ninhos e alimentam filhotes com 
sementes que amadurecem quando eclodem os ovos. Nosso sistema visual 
nos informa que todo ser vivo segue um plano e cada parte desse plano 
parece ser um dos elementos de um projeto maior. É fácil imaginar como 
nosso cérebro criou o conceito de um ser superior. 

Mas nossa mente também é capaz de pensar de maneira abstrata e Darwin 
observou os seres vivos de outra perspectiva. A ênfase é a transmissão 
das características de uma geração para a próxima, a competição por 
alimentos e a diversidade de seres vivos associada a cada ambiente. 
Observado o mundo sob esta nova perspectiva, Darwin evolui na ausência 
de um plano mestre. A transmissão das características herdadas, o 
acaso produzindo a diversidade e um processo de seleção que só permite 
a sobrevivência dos mais adaptados para cada ambiente é suficiente 
para explicar a evolução dos seres vivos. Por trás da ordem aparente 
está um processo randômico guiado pela seleção natural. Uma visão que 
contrasta com o que informa nossos sentidos. 

Do mesmo modo como nosso cérebro animal se recusa a acreditar que o 
horizonte se abaixa todas as manhãs temos uma enorme dificuldade em 
aceitar a inexistência de um plano ou projeto que organize a vida no 
planeta. Vale o velho ditado, "o que os olhos não veem, o coração não 
sente" e a mente não aceita. 

Este comportamento primitivo do nosso cérebro é semelhante a outras 
reações que herdamos de nossos ancestrais, como o medo hereditário do 
escuro e das cobras. Hoje sabemos que o cérebro que habita nosso 
crânio foi selecionado durante milhões de anos para garantir nossa 
sobrevivência nas florestas e, apesar de recentemente ter se tornado 
capaz de dominar a escrita, a fala, e o pensamento abstrato, nele 
ainda sobrevivem características que eram essenciais para nossos 
ancestrais. 

A beleza da descoberta de Charles Darwin é que além de explicar a 
evolução da vida no planeta, ela permite que investiguemos nossa 
natureza animal. Isso significa aceitar que somos o produto de um 
processo evolutivo complexo e que ainda carregamos conosco grande 
parte do nosso passado. Aos poucos, ao longo das últimas décadas, 
estamos identificando essas características primitivas. Talvez, 
gradualmente, sejamos capazes de aprender a conviver e desfrutar 
dessas habilidades do mesmo modo como um jogador de futebol se 
aproveita do sistema visual desenvolvido quando habitávamos as 
planícies africanas. Este autoconhecimento biológico talvez seja nossa 
única chance de controlar nosso instinto predador e postergar a 
extinção do Homo sapiens. 

*Biólogo - fernando@reinach.com

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090212/not_imp322441,0.php?

Dia do Orgulho Ateu



Ateus e atéias do Brasil, saiam do armário e comemorem.