BOSTON – No Brasil, quando não se pretende resolver um problema, por mais sério que seja, recorre-se à solução máxima: criar uma lei nova.
A história mostra que há lei “que pega” e lei que “não pega”. Na maioria, as leis não pegam, não são respeitadas, não têm aplicação, simplesmente são ignoradas. Aliás, os primeiros a ignorar algumas leis são entidades governamentais, em todos os níveis.
Agora, o governo anunciou que vai enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei estabelecendo punições rigorosas contra o que chamou de “intolerância religiosa”.
Será, fatalmente, mais uma lei fadada ao desrespeito, ao esquecimento, ao ridículo.
Ora, a intolerância religiosa no Brasil é um problema cultural, incentivado pelos governantes.
O Brasil não saiu, ainda, da Idade Média no que se refere ao assunto religioso. Para chegar mais próximo, vive-se, ainda, os tempos do regime imperial, às eras do “boa vida” Pedro I, ou do “sonso” Pedro II.
Confunde-se a Igreja com o Estado, apesar de, formalmente, haver disposição constitucional pregando que o Brasil é um Estado laico. Em linguagem mais simples: é um pais em que deveria haver total e absoluta separação entre o Estado e as Igrejas ou credos religiosos.
No entanto, ninguém manda mais no Brasil do que a Igreja Católica. Sequer as outras igrejas cristãs, como Evangélicas, Protestantes ou suas variações são consideradas.
O que justifica, por exemplo, que entre os muitos feriados, a maioria, ou grande parte deles, se refiram aos chamados ‘Dias Santos” instituídos pelos católicos? Pune-se quem não é católico, quem professa outra religião, mas fica impedido de exercer suas atividades, abrir sua loja ou manter funcionando sua indústria, sob pena de, se o fizer, ficar sujeito às multas e a pagar horas extras aos empregados.
Fala-se em acabar com o abuso, como bravateou o presidente Lula, recentemente, prometendo uma nova lei para punir com rigor o intolerantismo religioso.
Todavia, no mesmo dia, leu-se notícia informando que a Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei tornando obrigatória a existência de, pelo menos, um exemplar da Bíblia nas bibliotecas públicas.
Ora, por que somente o livro dito sagrado dos cristãos deve existir em todas as bibliotecas? Por que não se estabelecer uma equanimidade, tornando obrigatório que as bibliotecas tenham os ditos livros sagrados dos muçulmanos, dos judeus, dos hindus, dos umbandistas e de outras religiões, credos ou seitas?
Aliás, o melhor seria que não houvesse a compulsoriedade da presença de quaisquer livros ditos sagrados em bibliotecas.A intolerância religiosa, para ser exato, não ocorre somente quando são praticados atos hostis contra religiões ou seguidores de quaisquer religiões.
Há intolerância, inadmissível e inexplicável, quando o próprio Estado se encarrega de privilegiar determinada igreja ou seita, como ocorre no Brasil com as regalias e poderes conferidos à Igreja Católica.
Como justificar, por exemplo, que em recintos públicos, como ocorre em quase todos eles, inclusive em gabinetes de governantes, tribunais e casas do Congresso, existam crucifixos?
O crucifixo é um símbolo cristão. É uma alegoria daquilo que os cristãos pregam ter sido a forma como Jesus Cristo teria sido morto. Enfim, é uma insígnia do que teria sido a imolação daquele que, na visão cristã, seria o filho de Deus, ou o próprio Deus.
Há uma intolerância religiosa, no caso, considerando-se que outras religiões não aceitam o símbolo cristão, de igual forma como não admitem a divindade de Jesus Cristo, ou a sua condição de ser o próprio Deus. Mas, são obrigadas a conviver com o emblema cristão em recintos governamentais.
A se pretender acabar com a intolerância, obviamente, o símbolo cristão não deveria estar afixado em entidades públicas, em respeito à separação que constitucionalmente existe entre a Igreja Católica e o Estado brasileiro. No máximo, admitir-se-ia que também fossem expostos os emblemas significativos de outras religiões ou seitas, ou que evoquem divindades ou assemelhados.
Antes, portanto, de pretender acabar com a intolerância religiosa através da mágica de uma nova lei, que certamente vai repetir aquilo que a Constituição já diz, o mais correto seria que o exemplo partisse do Estado, evitando-se que fossem manifestadas preferências ou simpatias pelo cristianismo, ou pelo catolicismo. Ou, se for o desejo da maioria, que se mude a Constituição, acabe-se com o laicismo e se estabeleça um Estado Teocrático. Quem sabe se o Brasil tiver como autoridade suprema um Cardeal, ou mesmo o Papa, consiga as benções divinas que permitam melhorar a vida de todos?
Mas, enquanto não se faz a mudança, enquanto o Estado foi laico, deveria o governo impedir que os padres e outros sacerdotes católicos, ou as entidades que os representam, interfiram, palpitem ou pretendam impor regras a serem observadas pelo Estado e pela nação em geral, como se ainda estivéssemos nos tempos em que se confundia a figura do governante com a do dirigente religioso cristão.
É falacioso o argumento usado com freqüência, procurando justificar a preferência e os privilégios deferidos à Igreja Católica, dizendo que há uma tradição cristã, ou que a maioria da população é cristã ou católica.
A intolerância, a ser extinta, ou pelo menos mitigada, deveria evitar que algumas religiões ou seitas sejam privilegiadas, por representar a maioria do povo, em detrimento das minorias que merecem respeito.
Sexta-feira, 28 de novembro de 2008
PHNunzio: E ainda tem gente que insiste que vivemos em um estado laico. Vivemos no pior tipo de sociedade, a que finge que não tem preconceito, finge que não tem racismo, finge que não tem tratamento diferente quanto a sexo e finge que é um estado laico de fato. E o pior é que ninguem se mobiliza quanto a isto.
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