Mais interessante do que os últimos acontecimentos no
cenário político nacional, são seus desdobramentos, principalmente no que se
refere ao impacto na opinião pública. Nada surpreendente, dado o grau de
deseducação e ao sistêmico desencorajamento ao pensamento crítico que permeiam
nossa sociedade. Fatores que criam terreno perfeito para o florescimento do
chamado “FlaFlu” político no qual vivemos. Divisão que ocorre não por conta das
ideologias de cada lado, e sim pelo simples antagonismo ao outro.
Não gosto de me ater a rótulos, mas em nome da fluência e
entendimento do texto, utilizarei aqueles que mais estão em voga, mas gostaria
de deixar claro que entendo que os fatores são muito mais complexos que uma
questão de “Esquerda X Direita”, “Coxinhas X Mortadelas”.
Cada lado diz que o outro é míope e manipulado. Não poderiam
estar mais corretos. Esse dualismo imposto e encorajado pelas lideranças de
ambos os lados, interessa apenas a eles, pois estende-se uma cortina ideológica
em frente à massa, impedindo o acesso ao que realmente importa.
Dizem que cada um dos representantes do outro lado, apenas
governam em causa própria, preocupados apenas com seu plano de poder.
Assusta-me a surpresa e indignação. Espanta me quem acredita que política é
movida por sentimentos nobres e preocupação genuína com a população. De
Maquiavel a Bourdieu, não são poucos os pensadores que já se debruçaram sobre o
tema. O bem-estar da população se dará se, e somente se, o mesmo colaborar com
os objetivos pessoais dos detentores do poder. Esquerda ou direita são apenas
as estratégias utilizadas, o plano de jogo escolhido para se manter a frente no
placar por mais tempo possível.
Tanto um quanto o outro trocam benefícios em determinadas
áreas por sua liberdade em outras. Grupos mais à esquerda, nos vendem programas
sociais e serviços públicos em troca da liberdade econômica. Setores alinhados
mais à direita já nos agraciam com um maior controle de nosso dinheiro em troca de
cerceamento às liberdades individuais. Resumindo, tudo se resume a uma escolha
do que você está disposto a abrir mão. Apenas para constar, não posso deixar de
mencionar os regimes totalitários, pode se dizer o que quiser quanto a eles,
mas pelo menos, são os mais sinceros, não travestem seus objetivos como um
projeto de país. Deixam bem claro que o projeto é de poder. Não se iluda, sem
pressões externas, levando em conta apenas sua vontade, qualquer grupo no poder
agiria da mesma forma. Sendo livre a escolha e não havendo maiores repercussões,
a mão de ferro sempre empunharia o cetro.
Encarar isso de maneira realista é difícil para o ser
humano, ninguém gosta de se sentir apenas uma peça em um tabuleiro, muito
menos, chegar à conclusão que não somos nem sequer as peças, nós somos o
tabuleiro. Nós queremos nos sentir importantes, nos sentir participantes do “processo
democrático”. Acredito que tenhamos que ser mais realistas, o jogo é esse, não
há o que possamos fazer que mude isso, o importante é termos essa consciência,
e tentar tirar o melhor proveito dela. As mudanças só ocorrem por que chegou a
hora de um grupo tomar o lugar de outro, esse é o ciclo. Como esse é o ciclo em
todas as organizações que existem, família, trabalho, esporte, etc. A única
diferença é que esta acaba por influenciar e muito a nossa vida, porém, para
quem joga o jogo, é um jogo como outro qualquer.
A falta de uma visão mais realista leva à presente situação: pessoas defendendo indivíduos como Lula, Aécio, Bolsonaro, FHC, etc. Todos
jogadores muito hábeis e competentes, porém, pessoas que se preocupam tanto com
você, como atletas de futebol que se preocupam com os torcedores organizados.
Mas tão habilidosos que conseguiram construir uma imagem muito mais pautada na
aversão aos opostos do que nas qualidades próprias. Questione-se por um minuto,
você gosta do Lula pois compartilha seus valores, ou por que ele representa o contraponto
de um Aécio? Mesma coisa dos que chamam Bolsonaro de mito, é por conta de sua
visão de mundo, ou por ser um Anti-Dilma.
A partir desta reflexão, fica claro o quanto, independente
do lado, favorecemos a perpetuação do sistema. Aviso de antemão não surgirão
mudanças profundas, as mudanças serão apenas as necessárias para que um novo
grupo se estabeleça no poder.
Antes que me chamem de uma pessoa em cima do muro, vou reservar
umas linhas para o que acredito que seria a melhor maneira de sociedade. Sou um
adepto da corrente do libertarianismo, não confundir com liberalismo. Uma
corrente que prega a profunda liberdade pessoal, tanto na economia quanto no
social. Acredita que não cabe ao estado definir o que é melhor para sua vida, e
que as pessoas devem arcar com a consequência de seus atos. Ao estado, cabe
garantir que as pessoas possam exercer suas liberdades individuais sem
intrometer na liberdade do outro. Por exemplo, você quer ser racista? Você tem
total direito de ser, PORÉM, não tem o MENOR direito de interferir na vida de
qualquer pessoa. Quer odiar ateus? Falar que vou queimar no inferno, inclusive
na minha cara? Você tem total direito, mas não tem nenhum direito de impedir
que eu trabalhe, que eu expresse minhas opiniões, etc.
Entendo que esse modelo é completamente inviável, uma vez
que não cabe muito com projetos de poder. E que também para uma implementação
efetiva teria que se reconhecer que para uma grande parcela da população, não
se teria muito o que fazer a não ser uma política de contenção de danos, e que
todos os esforços, deveriam ser direcionados para gerações futuras. Mas apesar
de ter total ciência de que isso não seria praticável, ter essa visão ajuda a
pelo menos, não ser ludibriado, o que já é uma grande coisa.
Para finalizar, antes que deixem as paixões falarem mais
alto, não levem essa disputa tão a sério a ponto de colocarem em risco
amizades. Os detentores do poder, com certeza não te levam tão a sério. E como
diz um post que está circulando pela rede, “Se for para terminar a amizade com alguém,
seja por que ele gosta de Jota Quest”.