Seria o maior movimento político do Brasil dos últimos tempos, muito menos político do que parece?
Vou tentar explicar aqui, pelo menos de acordo com minha visão, o motivo que o movimento tomou essa proporção, muito menos nobres do que a maioria gostaria, os esperados episódios de vandalismo e os possíveis reflexos. Em um primeiro lugar, tentarei explicar o movimento em si, e por final algumas observações de ordem sociológica. Vamos lá:
1 - Como esses movimentos tomam corpo?
Podemos dividir em dois momentos; a formação da massa crítica e a viralização.
Uma forma simples de entendermos como se da a formação da massa crítica do movimento, é recorrermos ao Modelo de Granovettor, para quem não conhece, vou tentar explicar. Pegamos um grupo de 10 amigos. Por serem amigos, podemos inferir que eles tem afinidade em inúmeros aspectos, em maior ou menor grau, mas se fosse incompatíveis, não seriam amigo. Agora supomos que eles estejam tentando definir qual será o local que irão em um sábado a noite. Temos então o elemento A, que é fã de sertanejo universitário e o elemento J que não suporta o gênero, os outros possuem diversos graus de preferência pelo gênero.
No momento de se definir o destino temos essa situação A diz que irá à festa sertaneja, independente de qualquer coisa, B e C gostam da música e se contentam ir desde que alguém mais vá, D e E vão se pelo menos outras duas pessoas forem, F vai se metade for, G, H e I, vão onde a maioria for e J só vai no sertanejo se todo mundo for. Traduzindo em números, temos as seguintes condições dos individuais para irem à festa:
A (0), B (1), C (1), D (2), E (2), F (5), G (6), H (6), I (6), J (9)
Para ser mais simples neste exemplo, trabalharei apenas com a variável de quantidade de pessoas do grupo, independente de preferências e afinidades entre os elementos. Portanto fica fácil enxergarmos como apenas com o movimento de A, temos toda a turma indo à tal balada.
Tendo este modelo em mente, começa a ficar mais claro como a massa que inicia um movimento se forma. Um grupo de um movimento, como o MPL, propõe uma passaeta. Dentro deste grupo existem os que tomam à frente, (traduzindo para termos mais modernos, innovators), os que não precisam de muito para se unir, (early adopters) e o grosso do movimento (early majority). Então quando menos se espera, já temos umas 500 a 1.000 pessoas na rua. Dependendo do tamanho e da capilaridade do movimento.
Grupos mais radicais, tende a ficar neste estágio, pois não possuem muita capilaridade, pois os elementos não costumam transitar por outros, diminuindo assim o efeito de contágio do movimento.
Ok, mas como saímos de um movimento de 1.000 pessoas para um de mais de 1M, atingindo pessoas que não tem contato algum com o movimento original?
Para tentar explicar isso, temos que apelar para um outro modelo, um pouco mais complexo, que podemos chamar do Modelo do Aplauso em Pé. O que este modelo nos diz?
Imagine um teatro, o que leva o público a se levantar e aplaudir o espetáculo? Aqui temos alguns fatores, primeiramente, todos nós temos uma escala na qual classificamos o espetáculo, e temos o que consideramos como um espetáculo perfeito. Dentro desta escala, nós temos um limite, então, para estarmos dispostos a levantar e aplaudir em pé, digamos então que sua predisposição para o aplauso aumente linearmente de acordo com o nível do espetáculo. Então, temos aqui a seguinte situação, se o espetáculo atingir 100% no seu grau de satisfação, você se levanta e aplaude, se ele atingir 0%, você não se levanta de maneira alguma. Dentro deste espectro, você esta disposto a levantar desde que outras condições aconteçam.
Podemos ter aqui, a % de pessoas que se levantam, então podemos ter a situação de que se o espetáculo tiver um nível de satisfação de 70% e 40% das pessoas se levantarem, você se levanta também. Ou você identifica um famoso crítico de teatro nas primeiras fileiras, como supostamente ele é um entendido no assunto, se para você o espetáculo atingir 50% de satisfação e o crítico levantar (fator celebridade), você vai na onda. Geralmente vamos a este tipo de evento acompanhados, então, se temos 30% de qualidade mas alguém de seu grupo levantar, você também levanta.
E podemos ter inúmeras combinações entre os fatores que podem colaborar para o fato da peça ser ovacionada.
Além desses fatores específicos, temos o elemento do fator de ruído. Digamos que você pegou muito trânsito, esta mal humorado, etc. Isso pode fazer com que você seja mais rigoroso que o habitual na sua avaliação e uma peça nível 70% seja vista por você como uma 50%, ou o contrário, você esta de bom humor e isso faz ser mais generoso em sua avaliação. Traduzindo isso em números podemos chegar a uma equação para o seu aplauso em pé, que seria a seguinte:
(Qx(R/100))+P+C+A=L
Onde temos:
Q - Qualidade da peça
R - Ruído
P - Público
C - Celebridade
A - Amigos
L - Levantar
Se L for maior que 5 levantamos, menor que 5 não levantamos.
Agora vamos utilizar esse modelo para tentar entender estas manifestações.
Todos nós temos alguns fatores que fariam irmos para a rua, em um primeiro momento, como explicado acima, o grupo do MPL tinha um objetivo específico, dentro de um grupo fechado, e isto levou um número limitado de pessoas a se manifestar, os que enxergavam como suficiente para protestar o preço da passagem. E isso ficaria assim limitado caso não houvesse o episódio do confronto com a polícia, no qual manifestantes e jornalistas foram atacados gratuitamente pela polícia. Uma vez isto ocorrido, foi acrescentado uma nova causa ao movimento, esta uma muito mais atraente, a revolta contra a repressão do estado. Isso satisfez a condição primária de muitas outras pessoas a entrarem no movimento. Agregue se a isto o fato de celebridades, tanto no contexto como se utiliza normalmente, como no contexto em grupo, sendo a celebridade do grupo, no caso, aquele indivíduo mais politizado, aderirem ao movimento. Isso leva mais gente às ruas, satisfazendo assim mais condições para levar mais gente às ruas. Por conta de uma falta de liderança mais presente, estes novos entrantes, acabam por trazer novos temas, que passam a atrair mais pessoas. Temos aqui um efeito bola de neve e crescimento exponencial do movimento. Isso explica como em pouco tempo partimos de um número limitado para uma massa gigantesca.
Porém, isso leva a uma satisfação de critérios que começam a passar longe do simples aspecto político, já que inúmeros outros fatores colaboram para chegar ao limite necessário para se ir para a rua. Temos aqui pessoas que vão por que os amigos foram, por que celebridades influenciaram, por que um monte de gente foi, quer ir pelo efeito check in, etc, etc etc.
Pela heterogeniedade do movimento, este acaba por atrair todos tipos de grupos. Lembrando da curva normal, fica fácil vermos que a grande maioria do público, tem um aspecto mais neutro no que se refere a visão política, praticamente 90% do movimento é de visão de centro com leve ou moderada tendência à esquerda ou direita. Porém isso não descarta a presença de grupos com diversos níveis de radicalismo, tanto da direita como da esquerda.
Esses modelos também auxiliam a explicar a razão dos atos de vandalismo. Temos um contingente reduzido de pessoas predispostas à depredação. Porém, uma vez que estes iniciam, acabam atraindo outros que tem seus requisitos para o ato atingindo, e isso também começa a viralizar.
Acredito que consegui demostrar um pouco os mecanismos que disparam uma movimentação de massa como a que estamos vivendo, e como a este movimento tem muito menos viés político do que esperamos e gostaríamos.
2 - Um barril de pólvora prestes a estourar.
Como falei, na abertura do texto, vou tentar dar uma opinião sobre o aspecto sociológico do movimento. Uma vez explicada como a mecânica funciona, resta tentarmos entender quais os fatores que contribuíram para que as condições de viralização fossem tão rapidamente atingidas.
Vivemos um momento de saturação do modelo político vigente. Uma constante decepção para com os políticos e partidos que escolhemos para nos representar. Vemos ideologias sendo utilizadas apenas para se chegar ao poder, e logo descartadas em nome da famosa governabilidade. Inimigos históricos se unindo por tempo na televisão e cargos. E isso já vem de tempo. Não é privilégio de PT, PSDB, PMDB entre outros. Isso colaborou para um afastamento da política de grande parte da população. Em um primeiro momento, quando ainda tinhamos hiperinflação, as pessoas estavam preocupadas em vender o almoço para comprar a janta. Não havia tempo de pensar em política. Lembram da pirâmide de Maslow? Difícil ter outras preocupações quando as necessidades básicas não são atendidas. Após isto, tivemos a estabilização da moeda e um novo cenário, o dinheiro não perdia valor do dia para a noite. O país começou a apresentar ambiente de confiança para planejamentos de médio e longo prazo, isto criou uma perspectiva de mobilidade social, mas em um primeiro momento, ficou apenas nisso na perspectiva. Veio o governo Lula, e com isso um boom no consumo, apoiado por um momento global de prosperidade. Muitas pessoas subiram de classe, empregos foram gerados, houve uma melhora evidente na qualidade de vida de uma grande parcela da população.
Isso formou uma geração, esta que esta na rua, que cresceram tendo suas necessidades básicas atendidas. Longe de ser da maneira ideal, mas de modo muito superior a do final dos anos 80, começo dos 90.
Essa parcela da população passou a querer mais coisas. A presença da internet contribuiu em muito com isso. Passaram a ter contato com outras realidade mundo a fora, e seus níveis de exigência passaram a se elevar. E uma vez não atendidos, o descontentamento foi fomentado.
Alguns fatos, se analisados sob a ótica correta nos ajudam a entender o estopim. Nas últimas eleições, tivemos entre abstenções e votos brancos e nulos, uma porcentagem superior a 20%, até aí, tudo bem. Mas se formos tentar entender quem foram estes que deixaram de votar, vamos nos deparar com uma quantidade superior a ¾ de pessoas entre 16 e 25 anos (números do Datafolha). Exatamente essa grande massa que iniciou o movimento dos protestos. Era um claro sinal que algo não estava bem, e que o modelo atual, não conseguia despertar engajamento nesta parcela tão importante, e de tão fácil mobilização.
Esta saturação fez com que os limites necessários para explodir fossem cada vez menores, criando o potencial para o estado de protesto, dando no que deu.
3 - Você é meramente adaptado à Internet. Já eu, nasci nela.
Chega a ser engraçado ver alguns comentários de alguns especialistas, tentando entender os movimentos, importância e impacto da Internet nos movimentos.
Parafraseando Bane, no filme do Batman: “Você é meramente adaptado à Internet. Já eu, nasci nela”.
Podemos comparar a Internet a uma arma. Como os defensores do armamento dizem; “Arma não mata pessoas, pessoas matam pessoas”. A Internet em si não faz nada, ela é apenas uma ferramenta. Ela proporciona que idéias, conhecimentos, opiniões, das mais sensatas as mais absurdas, se espalhem, atingindo os mais diversos públicos. Uma coisa que podemos ter certeza é que, por mais fora de qualquer noção uma idéia possa ser, ela irá encontrar seu público. Isso possibilita que qualquer um possa ser gerador e consumidor de conteúdo a um custo virtualmente 0. Por exemplo, você, uma das 5 pessoas que esta lendo este texto, esta consumindo um conteúdo que eu gerei, e de alguma maneira, isto irá te impactar.
Saímos da sociedade de Andy Warhal, na qual todos teríamos 15 minutos de fama, para uma sociedade na qual todos serão famosos para 15 pessoas. Isso significa que todos temos uma capacidade potencial de influenciar N pessoas. E pela caracteristica orgânica da rede, um texto ou vídeo despretensioso pode fomentar um movimento muito maior. E isso pode colaborar, sendo mais um elemento na equação lá de cima, que nos faz sair às ruas.
Outro fator, a Internet propicia uma facilidade em se agregar pessoas com as mesmas ideias, eliminando o fator geográfico da equação. Então, não necessariamente você precisa de 1.000 pessoas nas ruas da sua cidade para se unir ao movimento. 10.000 pessoas do outro lado do Brasil passam a satisfazer esta condição.
4 - Como ficamos e para onde vamos?
Depois de todos os acontecimentos, chego a algumas conclusões.
Primeira, ficou óbvio que tem muita coisa errada por aí e as pessoas de uma maneira geral, estão de saco cheio.
Segunda, tal qual um pai que compra doce para o filho depois que este esperneia no supermercado, o governo a recuar o preço da passagem demostrou que sim, pode ser movido por pressão.
Terceira, mesmo o movimento sendo bem menos politizado do que parece, trouxe a política de volta às conversas da população, e agora sabendo de sua força como coletivo, o povo tende a ser mais atento a estas questões.
Quarta, radicalismos de ambas as partes são esperados, e o que me espanta é a quantidade de gente espantada com isso. Não se preocupe, estamos longe de um ambiente de golpe.
Quita, o ataque à mídia tradicional nos mostra que o fato de todos gerarem e consumirem contudo dos mais diversos tipo, faz com que não se aceite mais que tentem enfiar verdades goela abaixo. E assim como na esfera política, os controladores das mídias terão que se reinventar para atingir essa parcela mais jovem da população.
Sexta, não se pode subestimar, nem super estimar o poder de uma foto no Instagem, um vídeo no Youtube ou um post no Facebook.
Sétima e última, movimentos genéricos são mais prováveis de atingir uma grande adesão, porém menos efetivos praticamente, mas acabam gerando ambiente para outros mais organizados proliferarem.
Bom é isso, sei que o texto foi longo, então se você chegou até aqui, meu muito obrigado, os comentários estão aí para concordar ou discordar. E se gostou e quiser compartilhar, eu fico muito agradecido.
Até a próxima.